Editado em Braga, Fevereiro de 2021 pela Poética Grupo Editorial
Nas questões dos inícios e dos fins assinalados
Serão sempre belas as árvores do entendimento
Serão sempre belas as verdades das sinceras antecipadas
Como é um oximoro a crença num qualquer deus
(os pássaros a descer nas escantearias
como chagas na abertura)
Nascer no local apaziguado
Morrer nos horizontes de clareza
(morrer ao lado do ser amado)
Filigrana autenticidade luz
Para onde a noite dos bálsamos?
Para onde a inocência da imperfeição?
Nas questões dos inícios e dos fins assinalados
O telhado a portada a enxada
O coração a mente a colina
O sonho ou o outono a resina
Uma folha a ausência esta escada
Palavras soltas
O adro na neblina
Um intenso adeus
Direitos de Autor: Cecília Barreira
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Críticas:
Ernesto Rodrigues:
"Incêndio", de Cecília Barreira (Braga, Poética Edições, 2021), faúlha em variações sobre um corpo, melhor dizendo, a sua ausência. O modo de dizer esta falta assenta no que a paixão tem de redundante, num esforço de apreensão do obsessivo e enunciado TU (que se assume verso, p. 26-27), a qual passa por soluções de reprodução: anáforas, monorrima, idênticas formas verbais, jogo de tónicas e outras recorrências, incluindo glosa ou paráfrase de versos conhecidos, vindos de familiares deste ofício aqui e aliados. Mas, descontados são intermediários de linhagística literária ou consanguinidade (é o caso do derradeiro tu, dirigido ao Pai), o que temos é esse impressionante «sempre tu» (p. 5) dentro d'«aquela minha forma estranha de te amar» (p. 14), assumindo um desespero prometido (p. 11). O argumento, intensamente desenvolvido, pode estar nestes versos: «Cresceste dentro de mim / Em mim te ausentaste» (p. 15).
É um pico, uma ferida agora mais intensa já entrevista na análise de Cecília Barreira a Gomes Leal, em "Sete Faces Ocultas da Cultura Portuguesa (de Gil Vicente a Pascoaes)" (1991), ao concluir que «a Dor sagra a vida». No ano seguinte, os ciclos centrais de "A Sul da Memória" não só relacionavam uma dor emergindo e «o teu / corpo», como anteciparam aquele argumento: «Uma única morte me apetece. A da minha / viagem dentro da tua ausência. […]» Arde, assim, em fogo lento, essa remissiva para amada ausente, que é, simultaneamente, uma catártica remissão em lírica subindo a grandes alturas.
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João Rasteiro nas "Revistas Incomodidades"
“Incêndio” de Cecília Barreira é uma obra que irrompe e alastra sob a toponímia de uma “cidade branca” onde o lirismo, por vezes torrencial, respira “os tetos que em cada um perduram”, assentes num traço de melancolia intrincada, em que o verbo respira e sufoca na incompletude de um “voo livre” que, apesar da perseverança, nunca conseguirá vislumbrar o olfato do real na (13) “cidade branca
É um traço poético que brota “das eternas dissonâncias” dos sonhos e da crença, um salto mortal nas “horas enredadas dos abrigos e dos estilhaços”
Poder-se-á afirmar que estamos perante uma poesia que em grande parte, nessa incompletude essencial da criação, matéria vislumbrada no ato sagrado da crença, sempre jorrando e brilhando “nos incêndios de amígdalas” de um oxímero divino, como o poeta declara no poema “Prometeu”:
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